Meias Verdades

Produção industrial sobe
apenas nas estatísticas

DANIEL LIMA - 01/04/2003

  •  Em 18 de fevereiro de 1998 a Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), braço estatístico do governo do Estado, divulgou relatório informando que a produção industrial do Grande ABC em 1997 representou 15,8% do Estado de São Paulo. A divulgação ocorreu durante o seminário Comissões Municipais de Emprego — Novas Propostas/Novos Desafios, realizado em São Bernardo. Os jornais publicaram com destaque a informação no dia seguinte. O Diário do Grande ABC apresentou cobertura de meia página sob o título “Grande ABC mantém produção industrial”. Alguns trechos da matéria:

O dado derruba um mito que vinha se mantendo ao longo dos anos na região, de que o Grande ABC está se desindustrializando. De acordo com o relatório, no ano de 1997 o Valor Adicionado da indústria da região representava 15,8% de todo o Estado de São Paulo. “Os números mostram que o Grande ABC está estabilizado do ponto de vista industrial. Essa história de que a região está sofrendo um processo de desindustrialização é puro mito” — afirmou Luiz Henrique Proença Soares, diretor-adjunto de Produção de Dados do Seade. Soares afirmou, no entanto, que o número de trabalhadores despencou nos últimos anos. De acordo com o relatório, em 1989 havia 602 mil empregados registrados. Em 1995 esse número caiu para 505.664. “Podemos concluir que a região está produzindo o mesmo, ou até um pouco mais, com menos pessoas”.


O secretário de Relações do Trabalho, Walter Barelli, afirmou que os números apresentados pelo Seade “são surpreendentes”. Segundo ele, os dados contrariam tudo o que foi dito sobre as indústrias na região. “Os dados me surpreenderam. Todos acreditavam que a região vivia um processo de desindustrialização intenso”.


A Fundação Seade cometeu erros crassos nas informações repassadas à mídia. Primeiro, em 1997 o Grande ABC não participava com 15,8% do Valor Adicionado do Estado, como foi divulgado. O total dos sete municípios, conforme dados oficiais da Secretaria da Fazenda do Estado, alcançou R$ 20,3 bilhões de um bolo estadual de R$ 177,7 bilhões. Basta simples conta de dividir para se chegar ao quociente correto: 11,43%. Ou seja, 4,4 pontos percentuais ou 27,6% de diferença.


Para que a economia do Grande ABC gerasse em números absolutos o percentual de 15,8% propagado pela Fundação Seade, o volume de Valor Adicionado deveria ter atingido R$ 28,1 bilhões.


Se por si só a retificação do quociente de participação da produção de riqueza do Grande ABC quebra a espinha dorsal da argumentação fantasiosa da Fundação Seade, há outras ponderáveis que precisam ser equacionadas. É o caso dos dados comparativos sazonais, típicos de quem procura mascarar situações. Em 1985 o Brasil vivia período de forte recessão e inflação que, no ano seguinte, levou ao invento do Plano Cruzado do presidente José Sarney. Já em 1997 o País registrava o auge do Plano Real. Dois momentos absolutamente distintos.


Além disso, o trabalho da Fundação Seade omite o fato de que o Valor Adicionado paulista vem caindo em números absolutos e relativos em termos nacionais, por conta da descentralização produtiva. Documentos da própria Fundação Seade comprovam o tombo paulista na disputa pela transformação de riqueza industrial, que é o núcleo do Valor Adicionado. Em 1985 o Estado de São Paulo contava com 51,58% da indústria de transformação brasileira e caiu para 46% em 1996. O Grande ABC perdeu participação em números absolutos no Estado de São Paulo que, por sua vez, perdeu frente ao restante do País.


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